Avançar para o conteúdo principal

Desinvernar tântrico


A bruma neste inverno
pronunciou-se cedo
mais lúgubre
que noutros solstícios
A estação, sem réplica
prescreveu longura
na germinação:
– suspenda-se o verbo pubescer!
Um pingente
contíguo ao desejo
à escuta
espera que ressoe, algures
licença para abusar
à pendura no excesso
da disciplina
excitada
pela desordem

in Revista Mural Sonoro, como Laura do Céu, Junho, página 91, 2021.



Comentários

Mensagens populares deste blogue

Fragmentos

  Amélia Muge com Samora Machel, 1975, Maputo fotografia de António Quadros O passado por pouco que nele pensemos é coisa infinitamente mais estável que o presente … Marguerite Yourcenar   Arrastando tempestades Que nos fustigam as carnes Desfazendo com uivados O que foi a nossa imagem Resto de nós, quase aragem… Amélia Muge Mas, eu assim o quis! F. Nietzsche Breve resumo      Amélia Muge (n.1952) é uma artista polifacetada. Intérprete, compositora, poeta, ilustradora. É também historiadora de formação, e talvez isso explique algumas das suas opções estéticas, como se verá. Sujeito de um contexto social e de um universo artístico especiais – como o são todos, dirão, e tendemos a concordar – marcados por descontinuidades com modelos de produção musical e de recepção precedentes e continuísmos de índole ideológica e sociocultural. Imprime, numa primeira fase, uma linguagem nitidamente engajada ideologicamente e, numa fase sucedânea, dinâmicas entre palavras. Na sua cri

Fragmentos

  O Imenso Comércio do Nada XXI Interessa mais mostrar ao que se vem que zombar ministrando quem já lá estava Vivemos numa altura de rebaixamento de todo o gestuário possuído de frenesim filantropo. Não muito distante de outras fases convulsivas da história; possivelmente muitas pessoas gostam de acreditar que estão a viver o seu próprio poema épico. Vejamos, estão na sua senzala imaginária erguida no interior de baldios ou assumidamente na casa-grande (não é aqui que está o demi-monde? Será o pàrvenú?) suprimem à história o que ela é: realidade, conquista, guerra, conflito, limpam do logradouro duas sublimações espetadas à entrada, Cuidado com a Cadela! e o fraseado do  historiador britânico Eric Hobsbawn, qualquer coisa como: ‘o historiador é aquele que relembra à sociedade aquilo que ela procura esquecer’. Em alturas de insurgência artística, por exemplo, os incendiários parecem estar todos na casa-grande, varre-se dos pinhais a memória e começam a assenhorar-se do terreno alheio.

Fragmentos

O Imenso Comércio do Nada XX   É preciso esquecer para que tudo volte como novo Há momentos em que apetece deitar fora todos os fonogramas recentes com extensas durações de notas musicais para fazer o que uma só faria, ou, meramente, não deixar vir, eliminar antes que se entranhem, como apaguei há duas décadas o açúcar branco e a carne.  Por vezes parecem tentativas preocupadas apenas em manter os becos sem saída de outros, uma obstinação do tradicionalismo; uma tradição que se gozou de vanguardismo foi por não ter pretensões e não almejar ser canonizada. Uma tradição cuja face mais visível até podemos transferir para o presente sem nenhuma demanda extraordinária estilando-a por aí e cantando ao céu, ao sol, à chuva, ‘aqui estou eu fora do resto’. Camaradas, não estamos fora do resto se tudo hoje forem restos de restos de outros momentos e de outros gestos.  Quem passou por um conservatório fora da capital, nos anos oitenta e noventa do século passado, viu-o suspenso no tempo anterior