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A mostrar mensagens de maio, 2023

Fragmentos

O Imenso Comércio do Nada VI Ideias de reforma e progresso, de justiça, equidade, tolerância são imanentes? Julgo que sim. Poderão sê-lo. Como a constatação de que a realidade é dura, cruel, e qualquer tentativa progressista, como entendo que o foram, não exclusivamente embora deles esteja próxima desde início da juventude, tanto o marxismo como o socialismo de fileira revolucionária.  Miúdas da minha criação, o cinismo começa a ser, de resto a par da memória e da inteligência artificial, a melhor faculdade humana deste século. Ainda não me cansei de escrever a gritar outra espécie de canto, cacofónico-delicado, recuso-me a pertencer à colectividade pacífica de revoltadas mourejando o dia inteiro indignadas na cadeira com a mesma forma de sempre. Lá nisso esse contista, aparentemente datado, tão socialista e patriótico , privilegiado na cidade serôdia, que só por acaso foi aquela onde nasci, teve pontaria. Mas, se disso não passou até hoje, é porque nem o romantismo cívico da maior ag

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O Imenso Comércio do Nada V   Paul Valéry dizia que, quando ouvia o começo da Parsifal , lhe apetecia partir a caneta, por não conseguir fazer, com as palavras, o que os compositores faziam com os sons. Quando o intuito é descrever campos de visão enrolados ou redundantes, sinalizados pelas dúvidas, pela destruição, ou pelo afastamento de significados não corroborados, escrever pode-se ir revelando lentamente, ora como se fosse parapraxia, ora como um pequeno artifício que pode, ou não, diligenciar; pode ou não, controlar o simbólico. A escrita que manipula os símbolos manipula, em certa medida, a nossa visão do real. Tanto a beleza como o prazer, se apresentam comummente como algo de bom em absoluto, mas não são nem um bem nem um mal per se . Um déspota pode retirar prazer de obras ou gestos semelhantes aos de um corpo subjugado, mas para o primeiro o bem será distinto. Donde, o que é belo ou bom será o que  eleva o primeiro pela subjugação do segundo. A ideia de belo, a olho nu, não

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  O Imenso Comércio do Nada IV Qualquer resistência a bolhas cognitivas é uma quimera. Todas as bolhas são parte da mesma onda de fragmentação. Essa onda pode turvar um olhar minimamente amplo, democrático, ou um modo de observar que se disponha a ir além na ruminação, onde à cisma onanística dê lugar a cisma tética; sujeita, portanto, a diálogo. Assim, até um retor que tomasse uma ideia sua, apenas ou só por isso, como contraponto ao poder convencional seria ou não aceite de acordo com as limitações inseparáveis das bolhas. Como oportuna ou inoportuna, coerente ou contraditória, moralista ou niilista. Quando passamos a considerar o niilismo ético e o niilismo político, mais que o religioso, é possível que comecemos a apreciá-lo e a assumi-lo como coisa higiénica no mundo das ideias; não obstante, ou melhor, muito em especial, quando falamos de cultura. Já que o zénite da entrega a este impulso que nos passou a satisfazer, mais que qualquer outro antes perfilado, mais que uma doutrina

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Eucaristia Dominical 3 Volumes mui interessantes em acesso aberto (basta picar nas capas para aceder) na Mural Sonoro . Baedan I - #journalofqueernihilism Baedan II - #queerjournalofheresy Baedan III - #journalofqueertimetravel  

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O Imenso Comércio do Nada III                      Não há razão alguma para que não se reaja emocionalmente a formas artísticas. Além dos acontecimentos sociais, da política, dos humanos, dos mais-que-humanos, ou para-lá-de-humanos, que razão haveria para que as obras não produzissem em nós abalos físicos, como por exemplo atracção e repulsa?   Imaginem agora que vos vinha dizer que Heidegger não tinha destruído o humanismo e o existencialismo de Sartre, e que, seguindo a lógica de Nietzsche em Humano, Demasiado Humano , na sua carta sobre humanismo nem sequer tinha reforçado o anti-humanismo, nem tinha dito que Hitler era um produto do humanismo e do iluminismo; e, assim sendo, se tudo isto não fosse factual, se tudo isto não estivesse nos escritos de ambos, todas as veleidades que temos sobre o ser-humano eram agora uma raridade.   Quem andasse mais alheado de uma leitura funda e entretido com categorizações de disciplinas e figurinhas de auto-ajuda que são os parentes pobres da filo

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O imenso comércio do nada II   Arrisco a leitura de que a parte da produção intelectual, artística, ou culturalista, mais sonora, nos anos setenta, oitenta, noventa, e mesmo na primeira metade dos anos dois mil, se restringiu a pouco mais que ideologia, ou a um argumentário que se propôs deslindar, mas em primeiro reforçou, os nossos preconceitos.    Ensaios de natureza empírica que se ativeram sobre fontes próximas, ou factos apresentados, não estiveram propriamente em consonância com as ideias de diversidade ou heterogeneidade democrática superficialmente defendidas, mas antes com uma cisão de posicionamentos e uma lógica divisória de trincheiras estéticas e ideológicas, por via dos quais se ensaiaram argumentos, algumas vezes precipitados, a respeito de assuntos mais e menos políticos como os de identidade, género, classe, ou privilégio.  Arrisco que nas artes o que imperou sempre foi um discurso analítico, racional, como se fosse o único caminho desejável ou expectável, o caminho a

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Dizia Jonathan Sacks que as formigas, as abelhas, a maioria dos insectos, exploram, alimentam-se, vivem em grupos e que no mundo selvagem, o indivíduo que é separado do grupo está morto , pois, com essa retaguarda, que é o contrário de vanguarda, ou seja, longe dessa outra realidade e próximo desta, a de estar mesmo nas margens do espaço ao qual pertence , como escreveu o desassossegado Bernardo Soares, é comido pelos reis da selva. Em comparação com os mais-que-humanos, os humanos têm uma vantagem, são a mais rotunda das formas de existência na gestação e preservação de grupos. O nós é, de resto, sempre por definição um contra eles , os outros, apesar de as ditas diferenças, dada a complexidade da existência humana nas suas ambivalências, serem um logro. São mais as semelhanças que as diferenças. Toda a escrita literária ou científica, artística; toda a escrita culturalista como é a dos jornais; ou o livro, ou o disco, tem especialmente um cariz performativo e é, valendo-me de uma ex

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A arte do servilismo também pode ser descrita como um caso de avidez, nela os corpos sem grande espinha, ou um engenho especial, revezam-se e os que fazem por se ver excluídos do circo do simbólico reclamam o real e regressam a ele sem oferecer grande resistência.  Ao anteverem que restam só essas ruínas, ásperas às mãos, ou, então, uns nós onde não há osso nem espinha e tudo, mesmo tudo, passou a ser aeriforme no pindérico mundo do espectáculo. Se tudo fosse aeriforme nesta coisa das artes, a primeira coisa que já teria sucedido era um apagamento do fogo; tudo o que existe é fogo de bilbode.  Ai freguesa! A mim tudo isto me exalta, como é exaltante um terreno morto por excrementos onde se podem lançar sementes seja do que for. https://www.dn.pt/politica/marcelo-fala-ao-pais-esta-quinta-feira-as-2000-16292587.html de Robert Musil