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A mostrar mensagens de maio, 2022

Fragmentos

  Tropa da auto-gnose  fardada de ébria conveniência escorrega na domesticidade  por que rubra era a tulipa no prado  esculpida e falsa a felicidade. Para nós crepúsculo era ruído e a madrugada sujeição. Fomos um só corpo adequado ao conflito e quando chegaste primeiro chegou a tua língua depois a raiva nos olhos,  a emoção arrancada à flor na mão vermelha recurva era a masturbação. Só depois te mostraste. Pessoinha, de inóspito flow , ligada à corrente. Bienal de Veneza 2022

Fragmentos

A roupa reciclada  é a vida da morte,  existência daquilo,  daqueles,  que mortos já não poluem. Os trapos a casa de todas as opressões. Os farrapos  que da bílis fizeram uma especialidade. A dianteira  sob matéria incorpórea no mundo. Ignorados por intelectuais, amados por espelhos  velhos que nos miram além de nós. Por isso, vos digo, não crer  na ecologia do mundo enquanto existir um açougue pedrado  a zurzir o submundo. Bienal de Veneza 2022

Fragmentos

de picareta na mão Só perdendo percebi. Privar a língua de sabor era matar o corpo  e matar o corpo impedi-lo de ser  e experienciar  o início e o fim. Agarradas à pele  músicas de uma nota só. Afora corpórea, acolá passos seguros para a frente e trás. Sururus sórdidos, um velho espectáculo itinerante plugando ausências e tarefas caladas, eram as nossas favoritas.  As línguas explicavam tudo  a partir da dor e da devassidão. Voltando às notas de uma só,  cortejada num tango lento  enquanto roíamos os dedos  com negligente fluído,  mudáramos  a forma no escuro. A minha língua era uma coisa, eu outra. Ela nutria-se de palavras, eu nem capaz seria de roubar forças ao sol sobre nós. A minha sina era saber que aos quarenta e cinco  encerrava uma parte da existência. Bicava restos ao passado, em vão,  como os pombos faziam  no parapeito da cozinha envelhecida.   A apunhalar espíritos esquivos, destruindo qualquer macro memória  de picareta na mão. in Saliva , edição Mariposa Azual (Julho 202

Fragmentos

Falta ignição ao mundo dos sentidos, uma percepção das sombras e dos movimentos lânguidos. Quando os corpos deixam de se emocionar com a convivência, o mundano, talvez estejam já a guardar o melhor de si para outro mundo, pelo menos os que acreditam; para os que não acreditam em nada o remédio é deixar-se morrer todos os dias um pouco ao pensar que vão desaparecer, cerzir o tédio e disfarçar a dúvida é para almas fracas, as que não sabem o que fazer ao tempo... Bienal de Veneza 2022 (Landovix fotografia, Associação Mural Sonoro)

Fragmentos

[Renascida depois de desejar morte às ideias] Todas as manifestações ou propostas artísticas com valor que não se materializaram, ou não o puderam ser por que a «sua própria concepção as sufocava», como escreveu Ernst Jünger; ou quem as pensou intuiu que estas não tinham ainda chegado ao centro, ou raiz, ou fundo, para daí poderem partir. Há sempre uma cortina insondável e resistente nas ideias, mesmo naquelas que, em virtude da forma como as palavras usadas para as exprimir foram organizadas, nos parecem dotadas de transparência. Para os espíritos que cismam e se procuram desenvolver a partir do centro, o conhecimento fora desse centro recua para segundo plano, é como se, tendo acesso à chave que abre uma casa sumptuosa, aquilo que Jünger designou «chave-mestra», as chaves dos outros quartos deixassem de ter interesse. Por outro lado, as torres que guardam os melhores pensamentos fechados tendem a cristalizar, não permitir que estes se movimentem, tão-pouco se misturem, talvez com rec