de picareta na mão
Só perdendo percebi.
Privar a língua de sabor era matar o corpo
e matar o corpo impedi-lo de ser
e experienciar o início e o fim.
Agarradas à pele
músicas de uma nota só.
Afora corpórea, acolá passos
seguros para a frente e trás.
Sururus sórdidos, um velho espectáculo itinerante
plugando ausências e tarefas caladas, eram as nossas favoritas.
As línguas explicavam tudo
a partir da dor e da devassidão.
Voltando às notas de uma só,
cortejada num tango lento
enquanto roíamos os dedos
com negligente fluído,
mudáramos a forma no escuro.
A minha língua era uma coisa,
eu outra. Ela nutria-se de palavras,
eu nem capaz seria de roubar forças
ao sol sobre nós.
A minha sina era saber
que aos quarenta e cinco
encerrava uma parte da existência.
Bicava restos ao passado, em vão,
como os pombos faziam
no parapeito da cozinha envelhecida.
A apunhalar espíritos esquivos,
destruindo qualquer macro memória
de picareta na mão.
in Saliva, edição Mariposa Azual (Julho 2022)
Comentários
Enviar um comentário
nome