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A mostrar mensagens de janeiro, 2022

Fragmentos

tatuar deixa raízes A frecha de uma janela consumida pelo gélido barroco. Mármores imponentes impotentes teatro-esperança. Ao orvalhar ousaram agarrar meu corpo-pluma-livre  a uma cama de ferro cinzelada sobre luzes elevadas.  Principiava o milénio na noite mais fria.  Infligia dor na pele macia, corpo enfraquecido às primeiras perdas, aos primeiros toques. Sangrava a conta-gotas, pacto-impacto,  quando agulhas estreitas o coloriram.  Novas janelas, frechas pequenas  partidas em frechas maiores.  A epiderme inelutável abriu-se  ante purga generosa numa primeira clavilha.  Vinte e alguns anos  o poder no meu corpo  decidir corpo a corpo pelo meu corpo.  Corpo fronteira, corpo meta, corpo espírito, corpo limítrofe, corpo centro, corpo moldura, corpo adulado, corpo périplo, corpo enredo, corpo tingindo-perdido-marcado.  Corpo meu. Tão deturpado, fracassado, obstinado, célere, indolente, recuperado, iconográfico.  Principalmente incompleto.

Fragmentos

Em dois mil e vinte, à conta da pandemia, fortaleci alguns laços com amigos e recuperei projectos protelados. Entregámo-nos aos dias lentos percorrendo-os como ficheiros diferenciados lado a lado. Por falar em ficheiros, e suscitar memórias, reencontrei-me com observações que me acompanham desde criança acerca da impetuosa justiça, e com a fé cristã, a morte, o suicídio, os preconceitos, as supremacias. Os anos têm passado demasiado rápido; o de dois mil e vinte avolumou velhos, duradouros, confrontos, agregados ao carácter bidimensional de um ensaio por cumprir, iniciado faz agora quatro anos. Revistar acontecimentos e aprimorar a prosa no decurso da calamidade global, enquanto outros, faltando-lhes vias melhores, partiram no cansaço de existir, tem dado alguma luta. Durante sucessivos confinamentos, num escritório longe de Portugal, há um amigo que cedeu os dias ao ecrã do computador, nele lemos e discutimos quinzenalmente as notícias do mundo no jornal lá da terra de que que somos a

Fragmentos

Glória Tive uma amiga num grupo de teatro do secundário, a Glória, que contava a história da vida das abelhas num jardim perto da escola onde costumávamos ir fumar erva sempre que algo de muito mau nos acontecia, uma tentativa gorada de nos descontrair: a erva e a história das abelhas. Era mística, falava pouco, mas quando abria a boca dizia tanto que parávamos o que ali estivéssemos a fazer para a ouvir; recorria a metáforas, adágios, hipálages, conseguia quase sempre destapar algumas verdades com o seu olhar, as nossas experiências ganhavam alguma magnitude à medida que ela as contava por meio de certos alinhamentos verbais; creio que as teremos memorizado involuntariamente como um mantra donde todos os seres, todas as vivências, viriam e acabariam. Daí que quando, no fim do liceu, me apareceu numa prova obrigatória para admissão num pequeno espectáculo itinerante pela primeira vez o conceito “morte da arte” de Hegel (a mostrar que o "material" não seria o essencial na obr

Fragmentos

Recebi estas fotografias do Brasil, desejosa de tê-la nas mãos. A [histórica] Revista Ímã (Vitória/Rio), onde publico três novos poemas, convite de Sandra Medeiros, a editora, também autora do design gráfico neste número. Deixo capa, índice com autores, e um dos meus publicados. [resenha deste ano sobre a Revista para quem desconhecer a importância que esta assumiu na década de oitenta no meio literário brasileiro: Lugar Debaixo da ponte grito, ando Chego na terra abandonada, morro À frente do tempo sem recheio Devolvo pele, osso, e um saco cheio. Chego em autocaravana ao fim da tarde Respiro o estrume e a terra molhada Memórias por criar junto ao casarão Devolvo sorriso, alma, e o coração. Durmo numa cama nova, talvez Fujo aos poucos de mim Entre degraus que fogem dos pés Onde fontes mágicas vigiam o futuro. Sei que não vai dar em nada Lá vou eu procurar desagrados Arrumar mais sonetos no regaço Maltrapilho emotivo nas horas vagas. [ https://periodicos.ufes.br/fernao/article/view/3