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Fragmentos

tatuar deixa raízes
A frecha de uma janela consumida pelo gélido barroco.
Mármores imponentes impotentes teatro-esperança.
Ao orvalhar ousaram agarrar meu corpo-pluma-livre 
a uma cama de ferro cinzelada sobre luzes elevadas. 

Principiava o milénio na noite mais fria. 
Infligia dor na pele macia,
corpo enfraquecido às primeiras perdas,
aos primeiros toques.
Sangrava a conta-gotas, pacto-impacto, 
quando agulhas estreitas o coloriram. 

Novas janelas, frechas pequenas 
partidas em frechas maiores. 
A epiderme inelutável abriu-se 
ante purga generosa numa primeira clavilha. 

Vinte e alguns anos 

o poder no meu corpo 

decidir corpo a corpo pelo meu corpo. 

Corpo fronteira, corpo meta,

corpo espírito, corpo limítrofe,

corpo centro, corpo moldura,

corpo adulado, corpo périplo,

corpo enredo, corpo tingindo-perdido-marcado. 

Corpo meu.

Tão deturpado, fracassado,

obstinado, célere, indolente,

recuperado, iconográfico. 

Principalmente incompleto.










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