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A mostrar mensagens de agosto, 2022

Fragmentos

 ____ Os actos são perigosos apenas onde não existe talento, e onde as artes permanecem servis de pirangueiros. Não interessa o meu ou o vosso ofício, nem quaisquer outros detalhes externos acerca de nós; de resto as justificações das injustiças no mundo são, quase sempre, a justiça do poder. Ante a balbúrdia teorizadora, crenças e contra-crenças, só nos resta o enigmático, profundo, o que nos libertar do trivial, diminuto da quotidianidade, e aproximarmo-nos do real aberto a todas as metafísicas, estéticas; todas as verdades, misto de lógica e metalógica. Em síntese, desenvolver sem destruição dando iguais direitos à sobrevivência do justificável e do injustificável. ____

Fragmentos

 ______ Quando a utopia é resgatada pelo poder, domesticada, se lhe bota um laçarote, mesmo que este seja ainda um poder flácido, e talvez nunca deixe de o ser embora aspire outros supedâneos, paga uma factura pesadíssima.  As pessoas entram numa capela oclusiva, deixam de ter iniciativas por si, o poder passa a organizar-lhes tudo; mal a pessoa burile uma ideiazinha mais utópica, qualquer coisa que liberte, tem-no à perna, a fazer a folha, a passar à frente, a organizar tudo de modo mui relutante de forma a levar o seu séquito de fiéis indistinguíveis, o rebanho em suma, a crer num manifesto urdido e amanhado pela rama, o qual, na realidade, para os mais observadores se desfaz num sopro porque era já débil antes de se manifestar. Abrir bem os olhos como quem abre a cabeça ao mundo desconhecido tornou-se imperativo, mais do que  sub-interpretações do desconhecido. A finalidade do poder flácido nunca foi nem será derrotar estruturas, mas habitá-las, não necessariamente para reconstruir

Fragmentos

 ___ Aqueles traços pouco comedidos de uma pessoa que se fazem à maneira de um esquisso (imaginemos aqui uma cornucópia), precisam de ser esquecidos. Mas, pelo caminho, há os que se acham e os que se chocam na tentativa de encontrar uma forma, uma imagem acústica, uma síntese da vontade que não desbarate os traços, não destroça até estes estarem circunfusos, destituídos de sentidos. Na expressão do pensamento através das palavras escritas é igual. As opções por um traço mais e menos comedido são significativas; isto é, para quem está habituado à leitura não embriagam a visão e, mais do que acerca do enunciado, dizem-nos coisas sobre o enunciador. No entanto, o apreço pelas palavras empoladas ao invés das dúcteis, pelo esvaziamento dos sentidos, ou das ideias, em detrimento da verdade, não será com certeza maior que o medo da demência, quando nem os traços nem as palavras forem já necessários por ser esta mais temível que ambos e nada do que possamos tentar exprimir através dos traços,

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Fragmentos

Le temps, c'est de l'éternité pliée (Cocteau) Fica tudo dentro de nós, começa e acaba connosco, não interessa como, ou quanto tempo, se caminha por um empedrado, melhor é crescer como árvore frondosa, elevando-se como elevada é a coragem – das mais sérias faculdades humanas, como é a memória, a ausência de pudor, o não nos levarmos a sério, que é a coisa mais séria, como lembrou JP Grabato Dias. A coragem não tem ou releva interesse pela imprudência, mas atiça déspotas, e o carácter inconsequente dos seus actos, aquilo a que Ernst Jünger chamou "temeridade". Ter coragem é, desde logo, fazer questão de pintar com a tinta mais robusta linhas divisórias, tornadas visíveis e distantes, daqueles que amam o estardalhaço como forma de vida social ou cultural por não terem nada mais para nos oferecer além de si, os mesmos. Ora, nenhuma das artes deveria servir para resolver psicoses, vinganças, problemas de compensação. As artes fazem-se com talento. Num chão que oscila ne

Fragmentos

Não só a consciência  deitada na almofada, absoluta como a coragem, fortim de olhos feitos, viram o cortiço de mel apodrecido. Grotesco homem desamparado sombreando o leito, peleja abdicando da noite no meio da estrada. De costas para a deusa sem terra, frio, calor,  nem dardos nem pólvora seca. Sem grão miúdo, futuro presente  jugo, rito passado  irresistente. A semente que deu este fruto não abre caminho  à posterior idade.

Saliva, recensão crítica, Le Monde Diplomatique - edição portuguesa

No percurso literário e poético de Soraia Simões de Andrade, um livro que constitui «um momento de charneira que mostra maturação do sujeito poético. E a literatura só tem a ganhar com estes momentos e escritas Margarida Rendeiro. recensão, formato digital não integral (edição impressa/leitura integral reservado a assinantes;  https://pt.mondediplo.com/2022/08/saliva-sobre-linhagens-afectos-e-transformacao.html

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Bichos guardiões  ausentes na casa que já foi  de janelas cegas. Onde pouco se fala. E, quando se conversa,  é para dizer que de fora há orações  e dentro um tabulão reservado às melhores  jóias, que são algumas pessoas... 

Saliva

  Rui Almeida  está com  Soraia Simões de Andrade . 7 de Agosto     fotografia de Rui Almeida «Bela surpresa, este 'Saliva' ( Mariposa azual , 2022), [...] livro de poesia da SORAIA SIMÕES DE ANDRADE. Num tempo em que tanto se insiste (até à agonia e à ilegibilidade, por vezes) na síntese epigramática e na suposta virtude do "menos é mais", a Soraia arrisca na expansividade e na profusão vocabular, recorrendo abundantemente a palavras rebuscadas e a frases de construção complexa. Arrisca e, quanto a mim, alcança, em grande parte dos poemas, uma força de linguagem que não se fecha em si mesma, mas que suscita imagens e questões. O recurso continuado à primeira pessoa poderia indiciar uma poética exclusivamente autocentrada, confessional, comezinha. Mas não. Embora haja frequentes referências ao contexto próprio daquela voz que nos interpela, o teor dos poemas acaba sempre por se alargar a um âmbito mais social, mais público, sem dúvida com uma marca política. E tudo is

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Humana. Via formas na palavra Deformava-a. Alguém violentava Mas no divã eutímico deitava-se quem era violentada. Preventivamente. Pensavam-na antes de se pensar. Escalpelavam Ossatura E o Crânio  Cerebral era mandrágora de sons com sabores apodrecidos. Uma raiz dividida em dois canais lembrando a forma do Corpo.  Humano. Já os ganchos sem as magnólias mais do que os lírios e as ervas fediam sílaba a sílaba.

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Roxo bélico Alusão, ambiguidade, sintaxe, textura, ritmo, tom. Quase não há casos de erudição. Os que persistem dão-se ao trabalho, por saber que a indústria de publicação de conteúdos, vulgo média, está, salvo uma ou outra excepção, carregada de narizes-de-cera, de se auto-encenar, auto-promover, auto-convencer, como grandes entusiastas do kitsch , que está in. A dita democratização do século XXI atira tudo, todos, especialmente os melhores, para esta performatização onde não há out, sobretudo onde não há verticalidade alguma. Só cliques. O momento mais alto, bem giro, assistir do camarote a tudo.