Le temps, c'est de l'éternité pliée (Cocteau)
Fica tudo dentro de nós, começa e acaba connosco, não interessa como, ou quanto tempo, se caminha por um empedrado, melhor é crescer como árvore frondosa, elevando-se como elevada é a coragem – das mais sérias faculdades humanas, como é a memória, a ausência de pudor, o não nos levarmos a sério, que é a coisa mais séria, como lembrou JP Grabato Dias.
A coragem não tem ou releva interesse pela imprudência, mas atiça déspotas, e o carácter inconsequente dos seus actos, aquilo a que Ernst Jünger chamou "temeridade". Ter coragem é, desde logo, fazer questão de pintar com a tinta mais robusta linhas divisórias, tornadas visíveis e distantes, daqueles que amam o estardalhaço como forma de vida social ou cultural por não terem nada mais para nos oferecer além de si, os mesmos.
Ora, nenhuma das artes deveria servir para resolver psicoses, vinganças, problemas de compensação. As artes fazem-se com talento. Num chão que oscila nenhum corajoso ambiciona, como poderão através deste pedaço já escrito intuir, ficar com as meias sem pé.
Quanto à memória, é (uma das) [a] "mais épica[s]" diria Walter Benjamin das nossas faculdades, primeiro porque precisa, tal como a inteligência, de ser alimentada, em segundo porque só existe porque há asnice; como o bem não existe se não existir o mal, o magro se não existir o gordo, etcétera.
E porque é que convoco aqui a ausência de pudor, como faculdade valiosa dos humanos, além das outras duas? Porque é que são as três tão essenciais por aqui?
Por vários motivos mas falarei só de dois.
Em primeiro lugar, porque, como afirmava Marguerite Duras, num livro fundamental durante a minha adolescência – L'Amant –, a memória dos homens nunca ocorre nesta iluminação iluminadora que acompanha a das mulheres; em segundo lugar, porque todas as paixões e afeições já foram sobejamente interpretadas, diria o revolucionário Guy Debord, há, portanto, de encontrar outras.
Sabemos como a pudicícia é ainda maior sobre as mulheres e incide com mais vigor sobre classes ou sujeitos arredados de uma capitulação com tiques soberanos. Há uma característica que Benjamin Franklin atribuía aos franceses, a de não urinarem sozinhos; esta contempla todos os homens no ocidente, independentemente da sua nacionalidade, e é tão mais ruidosa visualmente, sobretudo, quanto estes tencionarem a sua inscrição na ordem reguladora – envergonhada, covarde –, das hierarquias, quanto mais quiserem ser poder; enquanto isso dissimulam, em público, os laços inúmeros que os fazem permanecer ou ascender na hierarquia.
É, aliás, como Jünger também nos dizia, o "tirano ardiloso" quem se contenta com a reverência, "os seus servos estão habituados a ver as vítimas beijar" a sua "poeira", esta elasticidade de combinação entre o dever, a ambição pelo poder convencional, a conveniência, tem lugar de modo quase invisível: guardam-se silêncios, honras e os ganhos simbólicos onde tudo principia.
Voltando à pudicícia – terão percebido com este relato, já, que a considero excludente –, já viram alguma mulher urinar em público, chamar as amigas, gabar-se disso olhando para os genitais?
O pudor, como afirmou Bologue a propósito da nudez física, é um sentimento complexo; mas, se pensarmos, este aplica-se às mais diversas formas de vergonha e cada época privilegia um ou outro aspecto do pudor, o pudor da origem social, da pobreza, dos gostos, são hoje modos diferenciados das pretensas hegemonias se legitimarem nas franjas – podem substituir as franjas por margens, por periferias, por vanguardas, apesar de eu não acreditar que existam há muito "vanguardas", mas isso será para outro texto.
Há, no cerne disto, um único ponto que me parece ser objectivo: geralmente, tomamos as nossas decisões capitais no momento em que há consciência da precariedade da vida, como ontem falava aqui numa troca de mensagens com o João, quando esta se começa a apagar.
Antes disso, vive-se na sociedade de espectáculo que, de Debord a Orwell, de Levinson a Kristeva ou mesmo Deleuze, já tão bem se aludiu.
Ora, é essa sociedade que tenho procurado combater com todas as forças que me restarem. Integralmente nua, que é assim que começamos e acabamos. Não haja confusões.
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