Glória
Tive uma amiga num grupo de teatro do secundário, a Glória, que contava a história da vida das abelhas num jardim perto da escola onde costumávamos ir fumar erva sempre que algo de muito mau nos acontecia, uma tentativa gorada de nos descontrair: a erva e a história das abelhas. Era mística, falava pouco, mas quando abria a boca dizia tanto que parávamos o que ali estivéssemos a fazer para a ouvir; recorria a metáforas, adágios, hipálages, conseguia quase sempre destapar algumas verdades com o seu olhar, as nossas experiências ganhavam alguma magnitude à medida que ela as contava por meio de certos alinhamentos verbais; creio que as teremos memorizado involuntariamente como um mantra donde todos os seres, todas as vivências, viriam e acabariam. Daí que quando, no fim do liceu, me apareceu numa prova obrigatória para admissão num pequeno espectáculo itinerante pela primeira vez o conceito “morte da arte” de Hegel (a mostrar que o "material" não seria o essencial na obra de arte mas antes o seu "conteúdo espiritual”) me lembrei logo da Glória, e inventei nessa prova, de componente prática, uma personagem com o seu nome. Hoje recebi uma notícia um bocado triste, esta Glória já não existe, não morreu, já não existe simplesmente...
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