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Fragmentos

A roupa reciclada 
é a vida da morte, 
existência daquilo, 
daqueles, 
que mortos já não poluem.

Os trapos a casa
de todas as opressões.
Os farrapos 
que da bílis
fizeram uma especialidade.

A dianteira  sob matéria
incorpórea no mundo.

Ignorados por intelectuais,
amados por espelhos 
velhos
que nos miram além de nós.

Por isso, vos digo,
não crer 
na ecologia do mundo
enquanto existir um açougue pedrado 
a zurzir o submundo.


Bienal de Veneza 2022

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