O Imenso Comércio do Nada IVQualquer resistência a bolhas cognitivas é uma quimera. Todas as bolhas são parte da mesma onda de fragmentação. Essa onda pode turvar um olhar minimamente amplo, democrático, ou um modo de observar que se disponha a ir além na ruminação, onde à cisma onanística dê lugar a cisma tética; sujeita, portanto, a diálogo. Assim, até um retor que tomasse uma ideia sua, apenas ou só por isso, como contraponto ao poder convencional seria ou não aceite de acordo com as limitações inseparáveis das bolhas. Como oportuna ou inoportuna, coerente ou contraditória, moralista ou niilista.Quando passamos a considerar o niilismo ético e o niilismo político, mais que o religioso, é possível que comecemos a apreciá-lo e a assumi-lo como coisa higiénica no mundo das ideias; não obstante, ou melhor, muito em especial, quando falamos de cultura.Já que o zénite da entrega a este impulso que nos passou a satisfazer, mais que qualquer outro antes perfilado, mais que uma doutrina, nos acomete para a consciência do absurdo e do nada, e os nossos labores artísticos, como todas as outras práticas, incluindo as afectivas, em sociedade passarão pela desvalorização de qualquer crença imposta, ou qualquer compromisso estanque, ou qualquer fundo ou rizoma pré-definidos.Embora uma vida, mesmo que ligada às artes ou a práticas culturais afastadas do centro, seja sempre uma miríade de mistérios, somos frequentemente levadas a pensar ou sentir sobre assuntos que a elas se conectem dentro de dois panoramas contrastivos: o centrado na experiência e o centrado nos objectos.Os objectos artísticos, como um livro ou um disco, têm um cariz performativo, como entendo que tem a escrita ou a composição musical. Não existindo, para mim, escritas maiores (tomo como exemplo os estudos sobre literaturas e culturas) e escritas menores (tomo como exemplo os estudos de música como cultura); no entanto existem territórios sacralizados, daí que uma e outra escrita não ocupem o mesmo lugar nem no imaginário social nem na produção cultural ou académica a eles associada.
O Imenso Comércio do Nada XX É preciso esquecer para que tudo volte como novo Há momentos em que apetece deitar fora todos os fonogramas recentes com extensas durações de notas musicais para fazer o que uma só faria, ou, meramente, não deixar vir, eliminar antes que se entranhem, como apaguei há duas décadas o açúcar branco e a carne. Por vezes parecem tentativas preocupadas apenas em manter os becos sem saída de outros, uma obstinação do tradicionalismo; uma tradição que se gozou de vanguardismo foi por não ter pretensões e não almejar ser canonizada. Uma tradição cuja face mais visível até podemos transferir para o presente sem nenhuma demanda extraordinária estilando-a por aí e cantando ao céu, ao sol, à chuva, ‘aqui estou eu fora do resto’. Camaradas, não estamos fora do resto se tudo hoje forem restos de restos de outros momentos e de outros gestos. Quem passou por um conservatório fora da capital, nos anos oitenta e noventa do século passado, viu-o suspenso no tempo anterior
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