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Fragmentos

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[nascer em tempo de guerra]
Entre a mulher e a morte era a criança que vivia. As crianças que brincavam entre  ruínas, bombas, granadas, não era bem pesadelos que tinham. Pesadelo era, é, um disfemismo emproado, poderá servir a literatagem de guerra, não tanto os corpos que escrevem. 
As crianças nascidas na guerra imaginavam que quem as criava fazia cair estrelas diferentes dos contos infantis de outras crianças. Eram estrelas onde encontravam o ferro, o molibdénio, o manganês, enfim, diversos metais úteis para têmpera de pequenas adagas carregadas de facas a que os avós chamaram baionetas, e se fossem suficientemente atrevidas assistiam ao fabrico de bombas nucleares. 
Agora são já mulheres, à procura da criança que fica.
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[história verídica de uma Mulher que foi apedrejada até à morte na sequência da revolução iraniana, fins dos anos 70]

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