Avançar para o conteúdo principal

Fragmentos

Escreveu Óscar Wilde que “a maior parte das pessoas é outra pessoa”; “os seus pensamentos são as opiniões de outros, as suas vidas uma imitação, as suas paixões [escondidas] uma citação”. Aquilo que Amarthya Sen designa de perigosa miniaturização das pessoas podia ser lido à luz do slogan Todos Diferentes todos Iguais da década de noventa. Valeu a pena? Aterrámos neste circo do simbólico prenhe de queques em transição e de eternos aspirantes a freaks (agora que ser freak não causa estrago algum, não é como usar uma crista num ambiente excludente em 1994, ser afirmativo frente ao poder institucional e queimado para sempre por isso, largar todos os vícios mundanos para se tornar monge, convenhamos). A afirmação de hoje seria todos diferentes porque todos somos realmente diferentes, amigos. E, o mais comum e provável, face à falta de referências in loco, directas, sejam culturais, estéticas, ou ideológicas, de agora é que aqueles que parecem mais iguais “a nós” sejam os que menos  o são.
Não existem critérios de observação crítica do mundo, a qualidade das ambivalências é nula e, com a crise generalizada, o mais habitual  é  ouvirmos o moralismo e a marialvice símile aos nossos vinte, trinta, até quarenta, o mesmíssimo registo papagaial.  
Para que porra interessa invocar a idade senão para reforçar a moral e o etarismo? Nem é posto nem desgosto.
Toda esta cromaria que nos assalta com opiniões, listas, inventários citadinos; com uma necessidade de aprovação fora do seu casulo ultra normativo por demais evidente pode dar para a paródia e os “memes” no oculto; porém, queridas alminhas analógicas que, como esta que agora vos escreve no telemóvel, se tentam adaptar: os cromos e os memes que me enviam já são tão cansativos…A última grande revolução do pensamento, e do corpo (inseparáveis) aconteceu há tantos, tantos, tantos, anos que o melhor que podemos fazer para honrar os nossos antepassados é recorrer ao sampling e menos a ego-trip…
Eu não vos queria ofender, dizer que são um pouquinho deslumbrados é paternalismo e asnos, androfobia, aproveito assim a dica do Sen e lembro que "a adversidade da exclusão pode andar de mão dada com as dádivas da inclusão".





Comentários

Mensagens populares deste blogue

Fragmentos

  Amélia Muge com Samora Machel, 1975, Maputo fotografia de António Quadros O passado por pouco que nele pensemos é coisa infinitamente mais estável que o presente … Marguerite Yourcenar   Arrastando tempestades Que nos fustigam as carnes Desfazendo com uivados O que foi a nossa imagem Resto de nós, quase aragem… Amélia Muge Mas, eu assim o quis! F. Nietzsche Breve resumo      Amélia Muge (n.1952) é uma artista polifacetada. Intérprete, compositora, autora-poeta, ilustradora. É também historiadora de formação, e talvez isso explique algumas das suas opções estéticas, como se verá. Sujeito de um contexto social e de um universo artístico especiais – como o são todos, dirão, e tendemos a concordar – marcados por descontinuidades com modelos de produção musical e de recepção precedentes. Imprime, numa primeira fase, uma linguagem nitidamente engajada ideologicamente e, numa fase sucedânea, dinâmicas entre palavras. Na sua criação convivem símbolos da ancestralidade afri

Fragmentos

  O Imenso Comércio do Nada XXI Interessa mais mostrar ao que se vem que zombar ministrando quem já lá estava Vivemos numa altura de rebaixamento de todo o gestuário possuído de frenesim filantropo. Não muito distante de outras fases convulsivas da história; possivelmente muitas pessoas gostam de acreditar que estão a viver o seu próprio poema épico. Vejamos, estão na sua senzala imaginária erguida no interior de baldios ou assumidamente na casa-grande (não é aqui que está o demi-monde? Será o pàrvenú?) suprimem à história o que ela é: realidade, conquista, guerra, conflito, limpam do logradouro duas sublimações espetadas à entrada, Cuidado com a Cadela! e o fraseado do  historiador britânico Eric Hobsbawn, qualquer coisa como: ‘o historiador é aquele que relembra à sociedade aquilo que ela procura esquecer’. Em alturas de insurgência artística, por exemplo, os incendiários parecem estar todos na casa-grande, varre-se dos pinhais a memória e começam a assenhorar-se do terreno alheio.

Fragmentos

O Imenso Comércio do Nada XX   É preciso esquecer para que tudo volte como novo Há momentos em que apetece deitar fora todos os fonogramas recentes com extensas durações de notas musicais para fazer o que uma só faria, ou, meramente, não deixar vir, eliminar antes que se entranhem, como apaguei há duas décadas o açúcar branco e a carne.  Por vezes parecem tentativas preocupadas apenas em manter os becos sem saída de outros, uma obstinação do tradicionalismo; uma tradição que se gozou de vanguardismo foi por não ter pretensões e não almejar ser canonizada. Uma tradição cuja face mais visível até podemos transferir para o presente sem nenhuma demanda extraordinária estilando-a por aí e cantando ao céu, ao sol, à chuva, ‘aqui estou eu fora do resto’. Camaradas, não estamos fora do resto se tudo hoje forem restos de restos de outros momentos e de outros gestos.  Quem passou por um conservatório fora da capital, nos anos oitenta e noventa do século passado, viu-o suspenso no tempo anterior