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À minha amiga Zabya


Dormias no casebre 
junto da Bellevue 
onde loucos te protegeram
das invasões e crises dos servos. 

Trouxeram-te. 
Para outro microcosmo. 
Cobriram-te num manto de cores
mais quentes, fluidas 
que as da Guerra de Assad
povoada por ogros cinzentos
igualmente pérfidos. 

Nua, à janela, assistias
àquele ribombar
de armas de fogo
despedindo-te da tredice
como quem despia a farda
na troca do boleto. 

O mundo ficou estranho 
os servos indolentes 
as jornas nem para a cerveja
pelas cortinas ninguém se conhecia

Na querela, noite dentro, ganiam 
a marcha para diante habitava 
do lado de cá.
Ordenaste a bagagem 
sabias já, apesar de tudo
que nos casebres europeus
a vida reiniciava finalmente
ao lado de outros combates. 
Bem-vinda. 



Mural Sonoro revista do nosso colectivo como Laura do Céu, página 90, Junho 2021.

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