Para ti, amigo nascido no mesmo dia (meu e do nosso Waits) quase todos os poetas e pintores, homens e mulheres, seriam intrigantes e intemporais e davas-nos exemplos; Irma Stern, Monica Sjoo, Katherine Lynn Sábio, Leonora Carrington, Rosa Rolanda, Sonia Boyce. Mas o escol contemporâneo não autorizava aos artistas de certas classes ou origens vingar por muito intrigantes que estes fossem, só postumamente. Razão tinha o geófago insaciável, tão desprezado entre as falidas elites de moderninhos literatos, que mastigava a terra como poucos, antes que ela o mastigasse. Para a fina-flor alardeada com jactância pelos periódicos falidos, cabível era amar os nossos mestres, admirar aqueles que nos inquietam, quando estes já não estavam, só deles as suas cinzas; como se às elites só o fim dos génios lhes despertasse sentimentos – é esta a sua genética, reconhecível na literatura e na vida, e não creio estar a ser injusta –, antes da ruína, só os autenticamente medíocres eram endeusados, aos génios calava-se o pio, será o mesmo que declarar que dava-se-lhes pouco palco e nenhuma importância. A menos que definhassem. E, na verdade, nada disto era novo, em mil novecentos e cinquenta e seis Camus exprimiu-o, corajosamente, em A Queda: [se até] os amigos despertavam as emoções depois de mortos.
O Imenso Comércio do Nada XX É preciso esquecer para que tudo volte como novo Há momentos em que apetece deitar fora todos os fonogramas recentes com extensas durações de notas musicais para fazer o que uma só faria, ou, meramente, não deixar vir, eliminar antes que se entranhem, como apaguei há duas décadas o açúcar branco e a carne. Por vezes parecem tentativas preocupadas apenas em manter os becos sem saída de outros, uma obstinação do tradicionalismo; uma tradição que se gozou de vanguardismo foi por não ter pretensões e não almejar ser canonizada. Uma tradição cuja face mais visível até podemos transferir para o presente sem nenhuma demanda extraordinária estilando-a por aí e cantando ao céu, ao sol, à chuva, ‘aqui estou eu fora do resto’. Camaradas, não estamos fora do resto se tudo hoje forem restos de restos de outros momentos e de outros gestos. Quem passou por um conservatório fora da capital, nos anos oitenta e noventa do século passado, viu-o suspenso no tempo anterior
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