Para ti, amigo nascido no mesmo dia (meu e do nosso Waits) quase todos os poetas e pintores, homens e mulheres, seriam intrigantes e intemporais e davas-nos exemplos; Irma Stern, Monica Sjoo, Katherine Lynn Sábio, Leonora Carrington, Rosa Rolanda, Sonia Boyce. Mas o escol contemporâneo não autorizava aos artistas de certas classes ou origens vingar por muito intrigantes que estes fossem, só postumamente. Razão tinha o geófago insaciável, tão desprezado entre as falidas elites de moderninhos literatos, que mastigava a terra como poucos, antes que ela o mastigasse. Para a fina-flor alardeada com jactância pelos periódicos falidos, cabível era amar os nossos mestres, admirar aqueles que nos inquietam, quando estes já não estavam, só deles as suas cinzas; como se às elites só o fim dos génios lhes despertasse sentimentos – é esta a sua genética, reconhecível na literatura e na vida, e não creio estar a ser injusta –, antes da ruína, só os autenticamente medíocres eram endeusados, aos génios calava-se o pio, será o mesmo que declarar que dava-se-lhes pouco palco e nenhuma importância. A menos que definhassem. E, na verdade, nada disto era novo, em mil novecentos e cinquenta e seis Camus exprimiu-o, corajosamente, em A Queda: [se até] os amigos despertavam as emoções depois de mortos.
Amélia Muge com Samora Machel, 1975, Maputo fotografia de António Quadros* O passado por pouco que nele pensemos é coisa infinitamente mais estável que o presente … Marguerite Yourcenar Arrastando tempestades Que nos fustigam as carnes Desfazendo com uivados O que foi a nossa imagem Resto de nós, quase aragem… Amélia Muge Mas, eu assim o quis! F. Nietzsche Breve resumo A mélia Muge (n.1952) é uma artista polifacetada. Intérprete, compositora, poeta, ilustradora. É também historiadora de formação, e talvez isso explique algumas das suas opções estéticas, como se verá. Sujeito de um contexto social e de um universo artístico especiais – como o são todos, dirão, e tendemos a concordar – marcados por descontinuidades com modelos de produção musical e de recepção precedentes, com continuísmos de índole ideológica e sociocultural. Imprime, numa primeira fase, uma linguagem nitidamente engajada ideologicamente e, numa fase sucedânea, dinâmicas entre palavras. Na sua criação convi...
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