No primeiro ano vestiu-se sempre de preto, numa determinada manhã sem luz, tonitruante, foi ao mar da praia de Quiaios onde largou metade das cinzas, a outra metade enterrou no jardim da casa de Coimbra.
Passados dois anos da morte começou a vestir-se da cor das folhas secas, um amarelo torrado, tonalidade do fim do ciclo.
Repetiu ao longo de duas décadas que a acalmava falar com os defuntos e as plantas, murchos e revigoradas.
A única certeza era a de que os corpos amigos, como as folhas, desapareciam, encontravam um caminho fúlgido, e ficavam em paz, mas essa espécie de crença não terá sido nunca suficiente para fazer o luto do filho.
Não havia em Lisboa nazarenos, metodistas, nem católicos que lhe aliviassem o desgosto. Em três pesarosos anos procurou dar-se e aprender com todos, até que um dia se virou para mim e indagou retoricamente para que servia a fé cristã, além de entreter as dores e os pesares. Se, porventura, há séculos enobrecia entre fiéis o aprofundamento da dor, seu principal intento, e a mirava enternecida como quem opila frente ao Guernica de Picasso. – «A religião, como a arte, serve a quem dela se queira servir...», disse-nos no velório.
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