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Fragmentos

Não existir como coisa verbal 
ou perífrase atreita a cliques.
Antes fazer-se pessoa de feição espirituosa
que da História reteve fracas memórias 
e delas extrai, por feitio ou vocação,
o que não encontrou lugares nem  templos.
 
Recortar da lapela uma pregadeira 
de metais deserdados a brilhar no atrito.
 
Levar ucronia a todos os cantos da casa 
como se nela carregasse a cruz velha 
até ao móvel de sete livros desordenados por ler.
 
 
Auscultar o corvo no jardim seco,
sempre o mesmo, mais preto azulado
que a asa da caixinha sonora com que te alimentavas
encardida como pão bolorento, como a guerra e a fome.
 
Abrir um livro debaixo do armário de facas por afiar 
no esmeril do amolador serrano que já ruiu.
E, de pé, à lupa, olhar cada lombada 
carunchosa em virtude das geadas
enquanto se espera encontrar, ali,
qualquer contratempo que suspenderá a vida.

 

 














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