Quantos autores andarão por aí de nariz e olhos e bocas no ar, sem olhar para o chão que pisamos, desconhecendo a argila onde se moldaram as formas mais indizíveis? Essa argila que, frágil quando tocada, os poderia descolar à farsa anarco-burguesa através da qual olham o universo lá de cima; conseguindo amiúde algo escandaloso: que até as mentes mais incautas enjoem as poses ensaiadas frente aos espelhos gastos. A escrita só deverá encontrar verdadeiramente o homem ou a mulher quando nem sequer se permitir ao fastio e ao desprezo posto nos salões, já Stendhal e Eça (ironicamente) intuíram, então, não frequentar de todo; já que apenas os bravos, corajosos, seriam amados pelos mestres. Por muito que a diletância se esforce em parecer mal comportada, o tempo não a levará consigo, quanto mais profunda for a entrega ao inexplicável, porque vinda das vísceras, ou do fundo do coração, a palavra escrita, e a imagem virtual da palavra num grau semelhante, será tão familiar à que ouvimos, como nos disse Wittgenstein, que mesmo o passado será futuro; é que a entrega faz objectivamente ver os outros que somos nós, não é o mesmo que nós e os outros. Estamos, portanto, sempre a tempo de não repetir aquilo que condenamos.
Amélia Muge com Samora Machel, 1975, Maputo fotografia de António Quadros* O passado por pouco que nele pensemos é coisa infinitamente mais estável que o presente … Marguerite Yourcenar Arrastando tempestades Que nos fustigam as carnes Desfazendo com uivados O que foi a nossa imagem Resto de nós, quase aragem… Amélia Muge Mas, eu assim o quis! F. Nietzsche Breve resumo A mélia Muge (n.1952) é uma artista polifacetada. Intérprete, compositora, poeta, ilustradora. É também historiadora de formação, e talvez isso explique algumas das suas opções estéticas, como se verá. Sujeito de um contexto social e de um universo artístico especiais – como o são todos, dirão, e tendemos a concordar – marcados por descontinuidades com modelos de produção musical e de recepção precedentes, com continuísmos de índole ideológica e sociocultural. Imprime, numa primeira fase, uma linguagem nitidamente engajada ideologicamente e, numa fase sucedânea, dinâmicas entre palavras. Na sua criação convi...
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