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Fragmentos

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Parece-me que o arremesso predilecto de qualquer convenção é a paixão da violência. Há uma pulsão enraizada nas convenções (por mim extirpava o mundo dos costumes) para a violência. Mesmo a violência interpessoal tem o poder de começar por destruir uma pessoa para a seguir destruir a sociedade.
Ter um alvo definido é uma maneira de a sociedade afastar de si a violência maior, ao concentrar-se numa vítima encarada como "exterior", como também acaba por explicar Sacks no livrinho de que aqui tenho falado.
Acho que a paixão da violência tem servido como trampolim, ou de escadaria, ao ego e à 'ego-trip'. Em petipé leva à perseguição, à violação de direitos, à deportação...
Os sermões, ou discursos panegíricos, propalados nas redes, furam o espaço ferindo com toda a força onde ainda há sobreviventes dos maiores homicídios metódicos da História.
Quando a tecnologia está ao serviço da evangelização, o bem como o mal entram no mundo a uma velocidade estonteante; mas, já se sabe que o mal é sempre mais espectacular.
O mal é rastilho e pólvora que nos vem lembrar a toda a hora que nunca houve separação entre o Estado, a Religião, a violência da paixão de ambos.
Acho até que John Locke no seu íntimo sabia que não há muros entre o poder da igreja e o poder do estado.
Creio que a distinção hoje feita entre secularismo e secularidade só é relevante se servir para pensar como o secularismo tem tendência para circunscrever a religião ao espaço privado, enquanto a secularidade propõe uma abertura das expressões religiosas ao espaço público, especialmente, e cada vez mais, digitalizado, como afirmação de uma liberdade das pessoas. Liberdade para a violência, o bem, e...o mal.
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