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Fragmentos

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natrix

Cobra-de-água-viperina:
a nadar irrepreensivelmente 
quando me avista, 
a hibernar 
quando pressente víboras.

Contemplando-a:
tão minúscula,
tão peremptória, 
com olhos de pupilas redondas.

Estarrecendo-me:
com as víboras 
de caudas simuladas,
pupila vertical, a corromper 
desde querubins.

Agora, os demónios aparecem
quando menos se espera.

O caule da videira:
a endurecer
por não se sulfatar 
depois de ires embora.

Estranheza a dele,
ou medo,
de criar raízes desavindas,
afastadas por nós, entrenós.

Entretanto cresceram acúleos. 
Mamíferos ou insectos
chegam perto.

Só umas castas rombudas 
a espiarem-te, raposices...
Largaram a cidade 
na província
sem distinguir vinho
de corte do de martelo.

O asilo nestas alturas
é um alpendre.
As pulgas dos morcegos 
são a melhor companhia.

Talvez por isso não tema 
parasitas nem bactérias
não como vos temo: sem-cerimónias.

É-me familiar
tal expatriação do leito,
e em qualquer barracão
todos os músculos, 
e ossos,
confabulam:
especialmente os do crânio.

in Acúleo
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7 de Dezembro, 21h, no AH!
Apresentação Parte I de trilogia
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