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Fragmentos

lares fugidios
fragmentos#1

Cumpre-me agora dizer que espécie de observadora tenho sido, não importa o nome persa de baptismo, nem outros detalhes que me digam respeito, é acerca do que observo, do carácter da minha observação, que se impõe descrever qualquer coisa. 
Afirmo sem pruridos a minha crença na humanidade por crer na mobilidade de tudo, só a morte é inamovível; acredito que tudo é inseguro, desconhecido; ódio, amor, domínio e dominação; a sensação de inacabamento e superação coincidem, coexistem.
Em terra, quando as ondas são maiores, ou os tamancos serôdios no ciberespaço balançam com maior agitação e as bocas espumam, hiberno. 
Passei por Coimbra, Londres, Amesterdão, Lisboa.
É sobre Lisboa que gostava aqui de falar: é uma aldeia de pategos que se vê permanentemente reflectida nos rostos e nas terras dos outros.
Desde que qualquer coirão mal-pago metaforiza é a opinião lingueirão de canudo, dá para nada, dá-nos de tudo.
Lisboa criou uma civilização de cretinos, o resto do país quis mimetizar e tem multiplicado o receituário. A capital, exceptuando o que sobremorre nos símbolos e códigos, trouxe-nos mnemónicas de glória e louvor ao passado imperialista, coisas que já nem vivem nos nossos ideais. 
Escrever é a melhor maneira de nos tornarmos incógnitas, uma hipocrisia também, contudo creio que nenhum edificado de conhecimentos reagiu, até hoje, sobre os caboucos de onde emergiu.
Viemos de modus operandi e modus vivendi similares aos das ditaduras, aqui a ilusão de liberdade, como nos disse Ernst Jünger, está sempre garantida; para as ditaduras se manterem é fundamental mostrar que a liberdade para dizer Não! prevaleceu. Foram-nos apresentadas provas suficientes de como apoiam massas heterogéneas que pensam exactamente o que elas evocam e convocam, e uma aceitação dos seus programas representará, assim, uma vontade livre das pessoas. Reparem como nenhum autocrata bizantino vive exclusivamente da adesão, é preciso que o ódio, o terror, lhe dê a contracena. Essa encenação foi sempre a mais necessária para a manutenção das opressões; e, ainda mais notável, é o facto de aqueles que usam publicamente a voz falada ou a voz da escrita, não quererem ser somados entre as percentagens que não votaram a favor daquilo que as massas censuraram ou reclamaram por via dita democrática.


Fálica e cínica,
melhores qualidades humanas,
a par da inteligência artificial,
deste século...
As panhonhas vão para o Tejo
as fálicas, para toda a parte...




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