Avançar para o conteúdo principal

Fragmentos

Outro Estado da Consciência

O terceiro episódio do Popol Bug já pode ser escutado.
Saibam que podem subscrever-nos no Soundcloud, sem nenhum custo associado.

Conversas anartísticas sem guião entre autores melómanos. Habitualmente com Bruno Peixe Dias e comigo; desta vez o nosso micro plenário sonoro foi gravado no dia de eleições em Portugal a partir de três cidades: Bruxelas-Lisboa-Berlim, e contou com uma terceira voz, a de Elagabal Aurelius Keiser, nome de guerra. Alguns reconhecê-lo-ão pelos desenhos para capas de livros e cadernos (ou entre páginas), como os de António Barahona, de Sandra Andrade*, ou meus. Mas, isso é uma ínfima parte daquilo em que se tem envolvido; Keiser é também autor de um livro de desenhos, Mistérios da Castração de Urano**, publicado pela Douda Correria há sete anos. 



No prelo está um segundo livro de desenhos do autor na colecção ثريا dos Cadernos AH! em papel***; será, coincidentemente, o segundo desta compilação de sete. Na colecção digital de Cadernos AH! publicada no website Mural Sonoro trimestralmente poderão lê-lo (Caderno AH! nº1 intitulado A Prova do Vácuo II)****.

Fez um mestrado em escultura, um doutoramento em Estética; esfalfado na cátedra das Belas Artes decidiu prosseguir a sua investigação de modo independente: tem explorado, entre outros assuntos, a relação da performance com a especulação da 'Morte da Arte'. Co-criou com os performers e coreógrafos Mariana Tengner Barros, António Mv e Rogério Nuno Costa, o projecto Bela TV, retirado escandalosamente da internet devido a conteúdos 'de coisinhas menores' explícitas, ou por aquelas manias da propriedade privada com que pincelaram o décor, vá-se lá saber... Desenvolveu várias performances como anartista e exposições em Berlim, onde reside desde a Troika, integrando o colectivo de artistas do Bestarium e da associação Mural Sonoro. 

Se quiserem saber por que razão a arte a que chamamos contemporânea é capaz de ser uma continuação do romantismo, e como é que os historiadores da arte, da cultura, da música, em menos de um século irão agregar tudo o que fizermos a esta nominata (r o m a n t i s m o), terão de ouvir este episódio profético. 
Pensando melhor, se o romantismo, ao ser teorizado, fez uma ruptura com o mundo clássico mais dura que movimentos anteriores, talvez vos consigamos converter a esta tese. 

Deslindamos a irracionalidade do sublime ao som da ‘Moss Garden’ de Bowie; descemos ao inferno, tudo ao contrário da beleza apolínea e racionalizável. Votamos na substituição do prazer pelo gozo perverso, no sentido freudiano, enquanto pomos os ouvidos pela enésima vez no moog synthesizer de Fricke, e nos voltamos a inclinar para o yoga, para o marxismo, para amanhãs que sussurram ilhas de utopia e satori, para a tão industrializada Düsseldorf e as capitosas Berlim e Munique. De uma certa maneira, para as manias da arte de que já os gregos falavam. 

AH! Popol significa povo, Bug não carece de tradução. 
Terminamos o encontro a três agitando o UK com um álbum de 2011, de uma mulher, e que mulher: um fonograma que tece a teia harmónica motivada pelo mal-estar da guerra, da memória, do abrigo desabrigado das raízes quando exploradas tardiamente. Não esquecemos deslocações, fraseados musicais, sequer os intentos discursivos das músicas feitas de detritos, de ruídos e silêncios, de sons da natureza e de melodias arremessadas onde o canto é fantasmagoria ancestral… Procurando, sempre, ajustar e contrapor as experiências aos mesmos gravadores ainda que em velocidades díspares, pelo meio voltamos a sugerir livros como becos onde umas brechas ainda possibilitam fugas. 

A edição e montagem sonora é do músico-engenheiro de som Paulo Lourenço.
Boas escutas.





* https://doudacorreriablog.wordpress.com/2017/05/21/caim-lilith-de-sandra-andrade/
** https://doudacorreriablog.wordpress.com/2018/04/17/misterios-da-castracao-de-urano-desenhos-elagabal-aurelius-keiser/ 
*** https://flaneur.pt/produto/mulher-de-algas/
**** https://www.muralsonoro.com/cadernosah 
 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Fragmentos

  Amélia Muge com Samora Machel, 1975, Maputo fotografia de António Quadros* O passado por pouco que nele pensemos é coisa infinitamente mais estável que o presente … Marguerite Yourcenar   Arrastando tempestades Que nos fustigam as carnes Desfazendo com uivados O que foi a nossa imagem Resto de nós, quase aragem… Amélia Muge Mas, eu assim o quis! F. Nietzsche Breve resumo A mélia Muge (n.1952) é uma artista polifacetada. Intérprete, compositora, poeta, ilustradora. É também historiadora de formação, e talvez isso explique algumas das suas opções estéticas, como se verá. Sujeito de um contexto social e de um universo artístico especiais – como o são todos, dirão, e tendemos a concordar – marcados por descontinuidades com modelos de produção musical e de recepção precedentes, com continuísmos de índole ideológica e sociocultural. Imprime, numa primeira fase, uma linguagem nitidamente engajada ideologicamente e, numa fase sucedânea, dinâmicas entre palavras. Na sua criação convi...

Fragmentos

  O Imenso Comércio do Nada XXI Interessa mais mostrar ao que se vem que zombar ministrando quem já lá estava Vivemos numa altura de rebaixamento de todo o gestuário possuído de frenesim filantropo. Não muito distante de outras fases convulsivas da história; possivelmente muitas pessoas gostam de acreditar que estão a viver o seu próprio poema épico. Vejamos, estão na sua senzala imaginária erguida no interior de baldios ou assumidamente na casa-grande (não é aqui que está o demi-monde? Será o pàrvenú?) suprimem à história o que ela é: realidade, conquista, guerra, conflito, limpam do logradouro duas sublimações espetadas à entrada, Cuidado com a Cadela! e o fraseado do  historiador britânico Eric Hobsbawn, qualquer coisa como: ‘o historiador é aquele que relembra à sociedade aquilo que ela procura esquecer’. Em alturas de insurgência artística, por exemplo, os incendiários parecem estar todos na casa-grande, varre-se dos pinhais a memória e começam a assenhorar-se do terreno...

Fragmentos

O Imenso Comércio do Nada XX   É preciso esquecer para que tudo volte como novo Há momentos em que apetece deitar fora todos os fonogramas recentes com extensas durações de notas musicais para fazer o que uma só faria, ou, meramente, não deixar vir, eliminar antes que se entranhem, como apaguei há duas décadas o açúcar branco e a carne.  Por vezes parecem tentativas preocupadas apenas em manter os becos sem saída de outros, uma obstinação do tradicionalismo; uma tradição que se gozou de vanguardismo foi por não ter pretensões e não almejar ser canonizada. Uma tradição cuja face mais visível até podemos transferir para o presente sem nenhuma demanda extraordinária estilando-a por aí e cantando ao céu, ao sol, à chuva, ‘aqui estou eu fora do resto’. Camaradas, não estamos fora do resto se tudo hoje forem restos de restos de outros momentos e de outros gestos.  Quem passou por um conservatório fora da capital, nos anos oitenta e noventa do século passado, viu-o suspenso no ...