Avançar para o conteúdo principal

Fragmentos

EPISÓDIO 5 - POPOL BUG



As contradições da criação, nós e os outros, nós nos outros



    Não para assinalar a efeméride e o seu quinquagésimo aniversário, já que procuramos cumpri-la, apesar de todas as dificuldades sociais e culturais, ao longo dos anos, temos dois debates no Popol Bug. 

No primeiro voltamos a ter connosco o anarquista coroado, Elagabal Aurelius Keiser, daqui a umas semanas o jornalista-crítico Vítor Belanciano.

    A partir de um trecho fílmico do documentário Around the World With Orson Welles, do lettrisme e da poesia sonora, escolha da mulher escrevente deste podcast, lançamo-nos a um conjunto de assuntos que tem aumentado o volume e a tensão de nossas sensibilidades estéticas e pensantes. 

O movimento preconizado pelo romeno Isidore Isou, ajuda-nos a traçar e estraçoar avenidas de compreensão marcadas pela criação de intervalos rítmicos e sónicos, por rimas, aliterações e paralelismos, por assincronias e anfibologias nas relações das imagens e dos sons. Mas não só.

Por via dos desvios de vanguardas que nos precederam, voltamos ao debate das ideias, como o da suposta morte da arte, enunciado de alguns autores, a vontade de poder, os direitos de autor, as estruturas culturais e o que é isso de ser uma entidade independente sendo estruturalmente semelhante a estruturas dominantes na sua exploração. Se o autor está ao serviço da estrutura, no sentido em que não aufere nenhuma recompensa pelo seu trabalho se não tiver como mediador esses papões (um contrato editorial, uma mediação da SPA com mapas de vendas que permitem aferir quanto cabe ao autor e assim recompensá-lo ao longo da vida) trata-se de abuso e de mais um braço do capitalismo, por mais pequeno que seja. Neste episódio há quem desenhe, com gozo perverso, a cultura kinky e BDSM, e talvez isso fosse suficiente para entender que há várias maneiras de contradizer as contradições discursivas dos que gozam de visibilização mediática, no fundo no livro de desenhos Mistérios da Castração de Urano houve quem quisesse mandar para o c*r*lh* as estruturas e as mega-estruturas, as suas promiscuidades e o ego-trip, que é como dizer escrevendo: todos aqueles que alimentam estas trapaças, onde pretensos artistas se tornam coleccionadores das suas obras para assim terem valor no Imenso Comércio do Nada, título do ensaio em andamento da moça: as press releases, as galerias, as técnicas publicitárias que querem persuadir permanentemente como se as nossas caixas de e-mail fossem receptáculos da REMAX pós-cultural mesmo que à entrada tenhamos ‘esta caixa não aceita publicidade’, ainda menos quando vier embrulhada como se de uma recensão empenhada em mudar o estado de sítio se trate. A caminho da meia-idade a força da dita juventude não esmoreceu, apenas se tornou mais selectiva e impaciente.

    Diálogo a três, ou mais, por estarem à mesa os nossos fantasmas predilectos. Ora em consonância ora em dissonância, ressuscitamos o Gil Wolman, o Maurice Lemaitre, o Gabriel Pomerand, o Guy Debord que enveredaram pelos recitais letristas e pela publicação de revistas como a Dictature Letriste e a Ur; o Nietzsche e o Hegel, o Antonin Artaud, as causas e os propósitos daquilo que andamos por aqui a fazer pejados de contradições que urge enfrentarmos todos os dias e cada vez mais.

    Terminamos com sexo e soul music, dizem que é assim que muitas discussões acabam bem, na cama, se for consistente e não do IKEA, de outra maneira podemos acabar, impotentes e no chão.


Comentários

Mensagens populares deste blogue

Fragmentos

O imenso comércio do nada XXVI Talvez nos pareça ainda que uma das mais potentes formas de contracultura a partir dos anos dois mil seja o uso da internet. Sítio de poucas cedências ou barreiras, goza de similitudes com as demandas utópicas e libertárias da geração de sessenta; a mesma aura dos espíritos contestatários e livres de divisões classistas, porém, e mais cedo do que eventualmente previra, como sucedera a outras derivas antes do virtual, também essa ideia foi capturada por uma cultura reformatória e conformista. O interesse crescente por discos e livros de um período da história ou de outras latitudes geográficas traduzirá certamente o apreço por assuntos como os da coacção da censura e resistência ao salazarismo ou outras ditaduras, as críticas a uma ortodoxia neo-hiper-realista, os imperativos arquivísticos e éticos da literatura e da música proibidas e, de modo um pouco mais subtil, o sujeito poético em comunhão com a mimesis quotidiana , a recriação imaginária a partir...

Fragmentos

 Meu discurso é o silêncio, meu canto o grito "A utopia existe sempre à custa da vida real" P arece não ser só uma tradução. Tendo como motivação poemas, dramaturgias, entrevistas de Müller, ensaia-se. Tira-se o rastilho tensivo às cordas de uma, de muitas, das guitarras deixada pelo escritor-dramaturgo e ...1, 2, 3... Ou, melhor,  eins zwei drei : Fernando entra com um  acorde suspenso , que  adiante se transformará em quinta justa e antes do previsto puxa do  dó aumentado, temos a tríade montada, dó, mi, sol; malhas entrecruzadas, renovadas sinestesias. E o que se segue é insinuante, retemperante, e muito sóbrio: o organizador desta edição no encalço de trechos capazes ainda de pegar fogo entre ouvintes, leitores, espectadores.   "[...] a Machstraße/Nem a sua academia das Ciências/Com a queda do despotismo asiático [...]".  Num tal excitamento de frequências a que é impossível ficar indiferente, extravasam-se barreiras datáveis; no sentido de ao apre...

Fragmentos

       O criador de estrelas religa-nos à cosmologia, ao porvir. Entre pessoas e estrelas, a cegueira e a lucidez num sonho prenhe de irregularidades, medos, bifurcações. Um voo veloz que nos edifica, destrói e reconstrói, nos leva a «flutuar» com o mensageiro «no fundo de um poço estagnado» onde as luzes nos vigiam antes de as procurarmos e podem assumir figurações de pedras preciosas; não obstante nos perseguirem, afugentarem e iluminarem nos intervalos da existência-persistência das memórias. A dada altura do chão e das tonalidades, nenhuma delas, provindas das estrelas, nos afectam; e, por isso, o mensageiro prossegue o voo, com as dúvidas, o desejo de reencontrar a comunidade que se esvai e recombina entre-os-tempos em ritmos diferentes, como numa cifra. Um pequeno grande intervalo musical, que separa duas notas essenciais, nós e as estrelas, para conseguir produzir uma relação entre elas. Movimento corajoso, receituário de um mundo inextinguível: um unive...